Em 2016 o Instituto Ethos apresentou os resultados da série de pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativa”. Os dados mostram a desigualdade racial no mercado de trabalho e uma certa naturalização, como se fosse “normal” a falta de representação da população negra nos cargos executivos, o que estampa a distância no alcance dos compromissos internacionais firmados e do Estatuto da Igualdade Racial.
O Instituto Ethos trabalha há mais de 20 anos com a responsabilidade socioambiental junto as empresas, apoiando e ajudando na gestão sustentável e responsável para contribuir com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Para isso o Instituto disponibiliza para as empresas associadas os Indicadores Ethos de Negócios Sustentáveis e Responsáveis e a cada 4 anos realiza a pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas”.
Estamos na “Década Internacional do Afrodescendente 2015-2024”, para o reconhecimento, justiça e desenvolvimento do afrodescendente, proclamada pela ONU, no entanto, mesmo diante do quadro de desigualdade racial no mercado de trabalho, a pesquisa mostra que a maioria das empresas não têm programas para inclusão de negros, o total da participação de negros nas empresas é de 34,4%. Com relação aos cargos, os negros são 57,5% dos jovens aprendizes, 58% dos trainees (profissionais graduados iniciantes) e 25,9% dos supervisores. Os dados dos cargos iniciais são animadores, mas conforme a atividade requer mais responsabilidade e liderança a quantidade de profissionais negros diminui drasticamente. No quadro executivo os negros ocupam 4,7% dos cargos, sendo as mulheres negras com as condições mais desfavorável de 0,4%, ou seja, são duas mulheres em um universo de 548 diretores, negros e não negros, de ambos os sexos. Apesar de uma parcela dos entrevistados reconhecerem a baixa presença de executivos negros, outra parcela significativa dos gestores das empresas respondera que a presença de negros, no quadro geral, é adequada.
Outro ponto que contribui com a diversidade é a diminuição de campanhas ineficientes e que tragam efeitos negativos para a imagem da empresa, como, por exemplo, a última da Bombril que lançou uma esponja com nome de conotação racista “Krespinha”, dando um sentido pejorativo ao cabelo dos negros (= a soma de pretos e pardos de acordo com IBGE), o que fez viralizar a #BombrilRacista como um dos assuntos mais comentados nas redes sociais. Com tantas pesquisas, especialistas e ações educativas que debatem o tema do racismo, discriminação e preconceito racial, campanhas como esta não são mais aceitáveis. Assim como é intolerável a desigualdade racial no mercado de trabalho numa sociedade cuja população é formada em sua maioria por negros e que no último Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM 2019) este grupo social constava como maioria de inscritos.
O que parece é que as empresas estão longe de assumirem uma postura de responsabilidade social que vá além do lucro, do “Marketing da Diversidade”.
É importante lembrar que a desigualdade nasce junto com a sociedade brasileira e teve a contribuição do governo para manter esta realidade social, seja pela falta de políticas sociais para a população que havia sido escravizada ou no incentivo a contratação de mão de obra europeia após a abolição da escravidão.
O Objetivo 10 tem metas para a promoção da inclusão social e econômica de todos, o aumento de renda dos mais pobres e a garantia de igualdade de oportunidades através de eliminação de práticas discriminatórias.
Mas, tendo em vista que o governo atual sancionou o plano plurianual com veto para as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como as empresas e a sociedade podem romper com a lógica de exclusão e criar mecanismos de desenvolvimento socioeconômico para a população negra? Seguem aqui algumas sugestões para enfrentar o desafio da desigualdade estrutural que atinge os negros do Brasil.
Governo
• Ações valorativas da contribuição do negro no Brasil;
• Ações punitivas, para garantir o cumprimento da Lei nº 12.288 – Estatuto da Igualdade Racial;
• Ações afirmativas com programa de cotas de contratação de profissionais negros nas empresas públicas e privadas.
Empresas
• Diálogo com as entidades negras;
• Crie um setor para tratar das relações raciais na empresa;
• Ações valorativas (valorização dos afro-brasileiros) e educativas (história afro-brasileira) para o público interno e externo a empresa.
• Inicie ações afirmativas com programas de cotas ou metas para inclusão de profissionais negros visando a igualdade racial;
• Criar metas de promoção dos profissionais negros para os cargos de gestão visando a igualdade racial.
• Compre bens e serviços de fornecedores cujos donos sejam negros, ou que façam parte das minorias;
• Na área de investimento social privado, invista em programas de apoio financeiro para estudantes negros.
Pessoas
• Leia sobre o tema;
• consuma de empresa que tenha em seu quadro societário no mínimo um sócio negro;
• contrate empreendedores e serviços de profissionais negros;
• apoie ações e políticas públicas de combate ao racismo;
• busque informações para saber se seus candidatos políticos estão comprometidos com uma agenda racial;
• fomente a igualdade racial no seu setor ou empresa.
Uma sociedade democrática deve promover condições de acesso a recursos que possibilitem a igualdade de oportunidade, educação, saúde e leis de proteção social, para que a liberdade de escolhas individuais possa ser exercida. Todos nós podemos contribuir para garantir os direitos de oportunidade de forma justa e igualitária.
Bibliografia:
Esta reflexão é parte da Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável da autora: Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho à Luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, PPGPDS – UFRRJ, 2020.
MYERS, Aaron. O Valor da Diversidade Racial nas Empresas, RJ, 2003.
Sideise Bernardes Eloi, psicóloga clínica e designer de sustentabilidade social. Atua orientação, desenvolvimento profissional e relações de trabalho, projetos sociais, programas de diversidade racial empresarial. É pesquisadora do NEAB ONDJANGO.